terça-feira, 30 de julho de 2013

Quando o Vagabundear do Poeta Encontra a Essência Trancafiada Da Princesa

Quando o Vagabundear do Poeta Encontra a Essência Trancafiada Da Princesa
Isadora & Lucas



[POETA]

Você moveria montanhas, princesa? Se preciso fosse, você escalaria o mais alto dos rochedos para ser feliz? O que você faria para libertar sua mente da prisão que a colocam? O que você faz?

Eu tenho as palavras e rimas para me salvar.

E é assim que me salvo, nessa modernidade nossa de cada dia, nesse afago que não consola, nesse mundo-cão que engole, que faz da rotina tédio, que faz do tédio sustento, que faz do sustento dureza, desatenção. O que você do outro lado da História faria para me salvar? Se casaria por ideais? Morreria por amor? O que uma princesa faria para salvar um poeta iletrado?

E o Leminski amarrotado na mochila que faço de casa não é o bastante. E os fones no último volume não são o bastante. E o filme visto no final do dia não é o bastante. Nem a conversa com os amigos no último segundo antes de ir deitar, nem a noite mais bela, nem a mulher mais bela – nem a poesia mais bela: nada basta para que eu me sinta salvo por completo – só escrevendo. Nada faz com que eu me esqueça da opressão contra os já oprimidos; do almoço corrido em um canto qualquer, do mundo que só exige, dos estudos interrompidos – da vida interrompida.
Mas eu tenho as palavras princesas, o que tem você?
[PRINCESA]

O que eu tenho são apenas as barras oxidadas da minha prisão psíquica, preenchendo o surreal que me cerca. Gostas de correr atrás de mim em seus pensamentos tortuosos, enquanto sua mente vagueia pelos campos secos da vigília do sono?

Não deves gostar. O que você faria para alcançar-me, caro poeta vagabundo? Eu, que me prostro no alto dessa torre, como um devaneio utópico atormentando-te os sonhos e fazendo-me responsável pelos teus anseios de querer morrer para então encontrar-me na outra ponta historiográfica.
No fundo, as perspectivas doentias de que eu não sou tua perfuram tua carne, fazendo-te gritar meu nome na noite cerrada. Mas os gritos que desejas ouvir são outros. Os gritos que deseja ouvir são meus, no momento em que arrancasse minha inocência com beijos.
O que você sacrificaria, caro poeta desfalecido?
[POETA]
Eu morreria, princesa-de-lugar-algum.
Morreria para ficar mais perto de você que já é finada – matar-me-ia jogando-me contra o asfalto quente que nunca é lar; só incomoda. Morreria pelo beijo seu que nunca virá, rasgaria minha pele, minha alma, meus livros: minha vida. Cortar-me-ia me pedaços para alcançar o seu surreal nessa torre já caída. Cortaria a poesia; quebraria a rima. Ia, somente, não viria. Faria das utopias distopias, dos pesadelos sonhos – das noites, dias.

Quebraria o verso.

Viveria na realidade.

Só para alcançá-la na fantasia.
[PRINCESA]

Anseio pelo dia velado no qual vão te achar estirado no asfalto, com um sorriso encovado que foi colocado ali por um único propósito sórdido: a possessão de alguém que está envolta em quimeras.

A musa de olhos cavos te conduziria até mim enquanto você acenaria para a pós-modernidade barata que nunca se poderia arrancar de ti. Mas que sacrifica por mim e as voltas enevoadas do meu mundo, no qual homens afundam-se nos lagos fundos de mulheres enfeitiçadas.
O mais maldito dos poetas batucaria seus versos espiralados em meus ossos quando a eternidade nos pertencesse. Eu me perco em insanidade todos os dias que não te acho dentro de mim, meu poeta.

Os dias que nunca virão queimam minha pele intocada pelo sol, como teus toques queimariam a alma que já se esvaiu dentro de mim.

Venha e alcance-me, meu poeta dos desamores. Venha e alcance sua mais deliciosa ilusão.

[POETA]

Do beat nos seus ossos faço um réquiem. Conhece a melodia? É canção dos fúnebres, dos decadentes, loucos, insanos e imorais! É a música das ruas, dos becos, dos grafites, cartazes, poesias e rimas! Do batuque dos seus ossos faço minha moradia – sinestesia, euforia: cacofonia.

Saio do mangue para entrar em você, por você e com você. Saio da vida não para ser seu príncipe ou bardo: entro na morte para ser seu poeta.
Nem me darei ao trabalho de ser também seu amor.
[PRINCESA]

Negamos-nos a aceitar os limites que o tempo nos impõe, como um deus impetuoso. Seremos pecadores, metidos em nós mesmos e não nos curvando aos mandares pretensiosos de algo tão superficial quanto um conjunto de eras.

Sinta-me despida de qualquer armadura. Arranque de mim todas as agonias da espera e quebre as barras do meu claustro.

Não desejo teu amor, amar é para as meretrizes!

Desejo ter-lhe de todas as formas, inexorável e imutável. Desejo que entregue tua alma a mim em um frasco encantado para que eu seja tudo o que queres nessa vida e na outra. Faça dos meus ossos tua morada que eu me refugiarei na tua poesia lastimável construída em cima da distopia cotidiana.


Seja meu e apenas meu, me envolvendo na fumaça dos teus cigarros enquanto eu cubro-te com as brumas da minha terra de fadas.


FIM

Nota: Texto em parceria com a Isadora, do http://putres-cente.tumblr.com/

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Naftalina

NAFTALINA



Não me deixe aqui na porta, querida. Você sabia que está frio? Abra a porta e me deixe entrar, eu nem me importo de ver seu novo namoradinho de cuecas. É seu chefe? É o carinha que mora na esquina que sempre te olhou com vontade de prová-la? Não, desculpa, não vou perguntar essas coisas – é indelicado. Está frio, sabia? Sabia que nessa porra de país resolveu voltar a ter inverno? Desses invernos rigorosos que as pessoas usam as roupas cheirando a naftalina, mofo e sabão em pó de segunda marca?  Não se incomode, mas vou acender um cigarro, só pra ver se esquenta... Aliás, você nunca gostou que eu fumasse, mas porra, o que eu ia fazer quando você começava a falar da vida das suas colegas de trabalho que reclamavam do pau mole dos maridos barrigudos? Não me interessava, nunca interessou. Comecei a fumar pela distração, hoje é vício. Hoje é mais vicioso que você em mim, acho. Ou não.

Você tá em casa? Custa abrir a porra da porta e me deixar entrar para que eu não sofra uma porra de uma hipotermia? Deixa de ser mesquinha, é inverno, to sem casaco, dignidade, vida e sonhos. Sem você. Olha que bonito, ainda sei fazer gradações, você sabe que quando eu tinha sonho de publicar meu livro de contos as metia em tudo quando é lugar. Mas não tive sucesso com os contos, mudei pras crônicas, todavia soaria falso com a vida de merda que levava – foder umas três vezes com você (uma por telefone); fazer um café só pelo clichê que todo escritor precisa gostar de café, vestir uma roupa pra arrumadeira entrar em casa, escrever duas páginas de um conto inacabado e não gostar de nada, ir ao cinema, foder mais uma vez e dormir. Uma vida de merda, naturalmente. Uma vida de escritor.

Não é o inverno sua estação favorita? Acho que é sim, desde que seu pai comprou a prestação uma passagem pra Bariloche pra você e sua melhor amiga passarem as férias de final de ano lá. Férias em Bariloche, que se foda, nunca liguei pra a Argentina mesmo, aliás, da Argentina só salvo a Evita – dá vontade de comer. Tenho queda por loiras metidas a aristocráticas, vai ver foi por isso que me apaixonei por você.

Ah, não pense que eu vou me matar por sua causa: não me daria ao trabalho. Já disse tudo que poderia dizer, pedi perdão, disse que mudaria, prometi até cortar os cabelos e a barba, mas parece que você prefere dormir sozinha nesse leito frio que é a sua cama. Eu poderia esquentar seus pés gelados a noite, sabe bem. Eu poderia encurralar seu corpo contra a parede com força, só de meias e sexo selvagem enquanto você nem liga se os vizinhos vão te ouvir gemer. Você nunca ligou pra isso. Na verdade deveria ligar, pois sua educação em colégio católico não permite esse tipo de escândalo. Aliás, o que sua finada mãe diria de mim mesmo? Um pedaço da escória da sociedade? Um escritor metido a rockstar falido e indecente? Um imoral comedor de menininhas em idade púbere e leitor assíduo de revistas de esquerda? E nem sei se posso negar nenhuma dessas indagações, afinal não foi dentro do seu colégio católico que nós transamos pela primeira vez? Você tinha mais que quinze naquela época? Não responda me sentiria chocado com o tempo que já se passou. Foram quantos anos de quase-casamento? Foram quantos anos me aturando e se aturando por me aturar mesmo? Foi antes ou depois de você começar a fotografar e se tornar essa artista admirada por hipsters pseudo-cults? Foi antes ou depois desse inverno me consumir? Há muito não sei responder.

Se for pra falar do passado vou dizer que sempre senti uma atração pelo seu rosto anguloso; nobre. A primeira vez que a vi saindo da escola não foram seus seios diminutos ou pernas longas cobertas por meias brancas que despertaram-me de imediato. Foi seu rosto de mulher em corpo de menina. Rosto de uma rainha trágica qualquer. Rosto de inverno: poderoso, marcante e impassível. Inefável, até. Naqueles poucos segundos que seu olhar cruzou com o meu tão desgranhado, percorreu um arrepio na minha espinha, igual a esses que percorrem agora, como se o mundo quisesse me ter congelado só para dominar-me. Como você me domina com a frieza em todos os seus detalhes – com todos esses seus invernos rindo-se de mim.

Mas vai abrir a porta ou não? Se não vai diz logo, por favor. O cigarro não ajuda muito contra o inverno, é como fazer uma fogueira na mais gélida das terras invernais – é ainda amá-la e saber que não é mais correspondido. Não funciona, por mais que a gente tente e queira e peça a um deus qualquer não há resposta, afinal essa coisa toda de fé pra mim sempre foi via de mão única. Peço e tenho o que como resposta? Sua porta trancada na noite mais fria desse inverno; sua porta que nega se abrir e me salvar do gelo das minhas próprias palavras ácidas – sua porta que permanece fechada e só me faz grão de neve nessa avalanche da sua falta de amor. Na minha falta de amor próprio.

Então me deixe aqui na porta, querida. No fim eu gosto do frio, já que tenho que sentir saudade, carência, tristeza, depressão, ciúmes e inveja sentir frio é o menor dos sentimentos. E não venha me falar que frio não é sentimento – você não entende deles. Frio é como um amor não mais correspondido: só é bom dentro de casa, sem a humilhação do rastejar por caminhos já percorridos. Frio é como perder-se no seu olhar, mesmo sabendo que por lá já habitou.

Frio maior é a porra do seu amor que se perdeu do meu.


Frio é ir embora tendo a certeza que sua porta nunca abrigará esse inverno em minh’alma outra vez.

FIM

Notas: Mais um para o Céu Literário, link do grupo no facebook (https://www.facebook.com/groups/452854318095161/).