sábado, 3 de janeiro de 2015

#TBR Book Jar - 2015


Imagem meramente ilustrativa. Meu ~book jar~ não é nada tão legal assim, ainda.

Olá pessoal, antes de tudo: Feliz 2015 - e sim, estou aqui tirando as teias de aranha do blog, sim, resolvi reativá-lo nesse novo ano e postar aqui o que estou matutando e tals.

Pois bem, 2014 foi um ano crucial pra mim, decidi minha vida acadêmica (independente de que rumo ela seguir ela já está decidida), vou tentar mais uma mudança de curso, dessa vez para o único curso que realmente me prendeu, a Antropologia. Enfim, caso dê errado tenho outros planos, mas espero que não.

Sendo assim gostaria de começar 2015 lendo mais, porque em 2014 só li livros/trechos de livros teóricos e esqueci do meu lado leitor voraz e resolvi reativá-lo nos meios dos estudos para a mudança de curso e de um projeto de Coletivo de Cinema, aliás, vocês podem conferir o Coletivo Paralaxe aqui. Então, mesmo com tudo isso quero voltar a ler e resolvi criar uma book jar, que vem a ser em inglês, uma uma abreviação da frase To Be Read, que em português é a nossa famosa lista Para Ler, e as palavras book e jar significam, respectivamente, livro e jarro. Assim, em resumo, TBR Book Jar quer dizer, basicamente, Jarro de Livros Para Ler.

Ou seja: catei tudo que eu queria ler (separei por cor, o que é rosa faz parte de um projeto de ler as autoras: Jane Austen, as Irmãs Brontë e Virginia Woolf, verde para livros teóricos e azul para outros em geral, coloquei em local e sorteei dois - um do projeto pessoal de ler as autoras já citada e outro ao acaso.

Os primeiros livros que lerei são:

"A Moradora de Wildfell Hall", da Anne Brontë e "Floresta de Símbolos", do Victor Turner um antropólogo que eu adoro e tô sempre lendo trechos, mas nunca li um trabalho inteiro.

Espero que consiga ler os dois e estudar história e sociologia esse mês E consiga ver filmes pro Coletivo - enfim, é só isso.

Ah, volto aqui em breve pra postar as primeiras impressões sobre "A Moradora de Wildfell Hall" e apresentar meu projeto pessoal de leitura pra vocês (se é que tem alguém lendo isso, é)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Da Musa Que Se É Princesa

Subverto os versos; desfaço as poesias: livro-me de mim para falar de ti, Princesa forjada em gelo, quintessência de meu complexo Édipo que só envelhece. Alelofobia de minhas fábulas onde as canções do bardo refolegam na lama do meu quintal inundado pelos olhos teus. Imperfeita em tua perfeição, tresloucada, moira e predestinada – nunca minha. Passeio pelos bosques fitando tuas ninfas nuas e despudoradas, esperando teu raiar na madrugada da minha (des)alegria. Enquanto o dia não nasce se faz na que adora dançar e entre os véus das Mil E Uma Noites faz de mim poeta em uma modernidade descabida. Tece o que é minha vida e desfaz o que é minha rima; tece o que é seu destino, me deixa de fora, não me contamina. Porque se é Princesa um dia Rainha Será – escreve em Runas seu bailar, de gelo faz teu cetro e não me chama para dançar: é poesia demais essa minh'alma de quimera travestida.

Se Princesa é Musa, também é a que desperta desejo, com Amor aos seus pés, maravilhado. Se até ele você encanta, o que faz comigo Princesa? Me deixa mais que intrigado! Dos ossos teus faço um tamborilar ritmado, porque teus olhos lamaceiam minha alma e despertam minhas canções. Posso ser teu bardo e fazê-la em dança? Dou um nome belo para tua canção! Runa do Gelo, assim se chamaria, feita para aquela que apodreceu minha modernidade em mitologias de uma tresloucada devastação.

Tinge as madeixas em um tom escuro do céu – retira do meu olhar o azul e deixa-me escuridão: diz que são esses os olhos que um poeta anacrônico a ti deveria ter. E quebra novamente meus versos com tuas anquilhas esfarrapadas, já que teu Reino está demais Para Lá e tu está demais Para Aqui, então é somente sobrevivente nessa contra-dança. Mas ainda dança, Runa? Ainda baila em teu ritmo tamborilado com os próprios ossos? Veste em força uma camisa etérea – treslouca-se e retorna em um eterno regresso para uma vida que nunca tivera, mas não aceita chá nenhum e nem o oferece, aliás, não se corrompe por pouco ópio – sempre precisa de mais e por ele sempre pede.

Coma-me e beba-me, Runa. Devore-me, já que nunca seria eu capaz de decifrar teu enigma de Coração Gélido e sensibilidade demais para se fazer insensível. Surripia-me do meu tempo e me faz suplicante no teu e talvez ofereça-me poucas moedas para que eu consiga um conhaque barato em meio a esse inverno do seu contemplar. Já que de nobre Capitão fui rebaixado a pedinte: quem seria eu para navegar na imensidão do Teu Olhar?

sábado, 11 de janeiro de 2014

Via Crúcis do Blues da Piedade



Lembra-se do dia que a encontrei jogada em um meio fio qualquer, com a maquiagem borrada de tanto chorar, as roupas rasgadas e sujas, o corpo coberto de machucados, a boca retorcida e a alma esfarrapada? Lembra-se? Você inventou um nome – Mel - e disse pra eu ir cuidar da minha vida, já que você não precisava da porra da ajuda de um merdinha como eu. Mas mesmo assim eu te ajudei, lembra? Arranquei-a do chão e a levei para minha casa, não tinha ninguém em casa, cuidei da merda de todos os seus ferimentos, limpei sua boca, enxuguei seu corpo ferido e a coloquei para dormir – só um pouco.

Quando acordou você pagou pela minha atenção com seu corpo que eu já tinha visto nu. Ofereceu-me seu sexo gasto e eu aceitei; aceitei porque era irresistível demais deixá-la ir sem saber de onde vinha seu nome inventado. Não era doce. Nunca fora. Seu sexo não era bom, longe disso. Você só sabia fingir gemidos e empurrar-me cada vez mais para dentro do seu corpo cansado. Você queria meu mel, desculpe o trocadilho infame, mas é isso. Você queria para poder sair de cabeça erguida sem dever nada a um estranho que a acolheu sem intenção de fodê-la. Mas eu fodi. Fodi o máximo que pude, de todas as formas possíveis e imagináveis. Você gosta de sexo, não é Mel? Não só do ato de corpo contra corpo, mas da força e volúpia de seduzir, de se fazer de fraca para aos poucos dominar, de enroscar as pernas ao redor do meu torso em não deixar ser comandada. Mel – você não é doce. Era pulsante, como nenhuma outra fora. Era mandona e fazia disso sua vida. A via crúcis era seu corpo oferecido demais, banal demais, algumas manchas no ombro direito, para disfarçar. Olhos verdes de lente de contato e cabelo alisados com um produto qualquer. Seu corpo era seu templo, seu mundo de fingimento e aceitação.

Naquele dia você me depravou, querida. Fez-me viciado na falsa força do seu sexo ruim, um pedinte por todo aquele sentimento falsário de felicidade. Você é feliz, Mel? Você sabe o que é felicidade? Acho que não, porque você só sabe foder, fumar e cheirar. Ah, e beber. Antes de sair levou o resto da cachaça mais barata que eu tinha. Levou-me também, sem saber. Fez-me como tatuagem em seu corpo maculado por si própria marcou-me em suas coxas anacrônicas que se abrem para qualquer um que pode oferecer uma nota de cinquenta – mas também aceita menos, dependendo do dia. Não a procurei. Não diretamente. Fui a outras, a várias. Todo meu salário medíocre era para encontrar sua essência em outras. Encontrar seu doce em outro mel. Comecei a fumar – canelados principalmente, mas não da mesma marca que os seus, os mais vagabundos possíveis, para combinar com essa decadência que agora parece intrínseca ao meu ser. A fiz em poesia. A fiz em retratos, também. Não a tive, nem por um segundo encontrei dentro de outras meninas mais vendidas e mais promiscuas o que você tinha – gosto. Ainda ama entregar-se a outro como uma putinha barata, Mel? Ainda amanhece jogada no chão, drogada e prostituída para que Christiane F. nenhuma coloque defeito? O que tem feito quando não encontra homem nenhum para dominar? O que a consola nesses dias? Corre para os braços de um ex-namorado qualquer, cheira uma carreira e fode sem cobrar, desperdiçando um dia de trabalho? No final ele diz que a quer de volta, que pode a fazer feliz e largar as drogas. Mas você não quer redenção. Você só quer ser você mesma, de camisa longa e saia curta, de bate-estaca em uma esquina imunda, chiclete de menta entre os dentes amarelados, uma curta peruca loira e maquiagem para disfarçar a dor. Porque dói, mas ainda é bom. Porque é bom, mas ainda dói.

O que você quer além de você mesma, Mel?

E quando a vi corri para encontrá-la – estava longe, mas sei que me viu. Viu-me ir ao seu encontro, de olheiras na cara e cigarro entre os dedos, quase chorando de felicidade (falsa!) de saber que poderia tê-la novamente. Você não quis. Reclamou e entrou no carro de um grupo de babacas. Foi bom para você? Aguentou os cinco a noite inteira, querida? Um brinde, então! Um brinde a você e a vida de merda que construiu! Um brinde a sua decadência feliz (até morrer!) ao seu nariz escorrendo por causa do pó, as feridas na pele, as doenças e aos vícios que nunca serão virtudes. Um brinde a mim também, Mel! A primeira carreira que cheirei foi para você! A primeira heroína também foi você! E tantas outras que passaram pelos meus lençóis e levavam um pouco do meu dinheiro e de mim – foram tantas que até cheguei a esquecer quem era: tornei-me um arremedo adocicado pelo seu mel. 


E agora me vendo também – é só pagar. Você ficaria feliz em saber quanto pagam por mim nas mesmas esquinas que você usou. Espero que um dia me encontre em um meio fio qualquer, surrado e drogado, corpo coberto de machucados, boca retorcida e a alma esfarrapada? Lembra-se? Eu até inventei um outro nome: mas esse você só descobrirá se seguir a via crúcis da alma que reneguei em detrimento ao corpo seu.


FIM

Este conto foi feito para o Céu Literário. Este mês o tema eleito foi "Perversões", tendo por primeiro texto "Amor de Réptil", Do Hui, podendo ser encontrado aqui e o segundo, também do Hui, pode ser lido aqui. O texto do Vit, com o mesmo tema está aqui. O projeto, aberto a todos os escritores blogueiros que se interessarem pode ser encontrado aquiaqui ou aqui

terça-feira, 30 de julho de 2013

Quando o Vagabundear do Poeta Encontra a Essência Trancafiada Da Princesa

Quando o Vagabundear do Poeta Encontra a Essência Trancafiada Da Princesa
Isadora & Lucas



[POETA]

Você moveria montanhas, princesa? Se preciso fosse, você escalaria o mais alto dos rochedos para ser feliz? O que você faria para libertar sua mente da prisão que a colocam? O que você faz?

Eu tenho as palavras e rimas para me salvar.

E é assim que me salvo, nessa modernidade nossa de cada dia, nesse afago que não consola, nesse mundo-cão que engole, que faz da rotina tédio, que faz do tédio sustento, que faz do sustento dureza, desatenção. O que você do outro lado da História faria para me salvar? Se casaria por ideais? Morreria por amor? O que uma princesa faria para salvar um poeta iletrado?

E o Leminski amarrotado na mochila que faço de casa não é o bastante. E os fones no último volume não são o bastante. E o filme visto no final do dia não é o bastante. Nem a conversa com os amigos no último segundo antes de ir deitar, nem a noite mais bela, nem a mulher mais bela – nem a poesia mais bela: nada basta para que eu me sinta salvo por completo – só escrevendo. Nada faz com que eu me esqueça da opressão contra os já oprimidos; do almoço corrido em um canto qualquer, do mundo que só exige, dos estudos interrompidos – da vida interrompida.
Mas eu tenho as palavras princesas, o que tem você?
[PRINCESA]

O que eu tenho são apenas as barras oxidadas da minha prisão psíquica, preenchendo o surreal que me cerca. Gostas de correr atrás de mim em seus pensamentos tortuosos, enquanto sua mente vagueia pelos campos secos da vigília do sono?

Não deves gostar. O que você faria para alcançar-me, caro poeta vagabundo? Eu, que me prostro no alto dessa torre, como um devaneio utópico atormentando-te os sonhos e fazendo-me responsável pelos teus anseios de querer morrer para então encontrar-me na outra ponta historiográfica.
No fundo, as perspectivas doentias de que eu não sou tua perfuram tua carne, fazendo-te gritar meu nome na noite cerrada. Mas os gritos que desejas ouvir são outros. Os gritos que deseja ouvir são meus, no momento em que arrancasse minha inocência com beijos.
O que você sacrificaria, caro poeta desfalecido?
[POETA]
Eu morreria, princesa-de-lugar-algum.
Morreria para ficar mais perto de você que já é finada – matar-me-ia jogando-me contra o asfalto quente que nunca é lar; só incomoda. Morreria pelo beijo seu que nunca virá, rasgaria minha pele, minha alma, meus livros: minha vida. Cortar-me-ia me pedaços para alcançar o seu surreal nessa torre já caída. Cortaria a poesia; quebraria a rima. Ia, somente, não viria. Faria das utopias distopias, dos pesadelos sonhos – das noites, dias.

Quebraria o verso.

Viveria na realidade.

Só para alcançá-la na fantasia.
[PRINCESA]

Anseio pelo dia velado no qual vão te achar estirado no asfalto, com um sorriso encovado que foi colocado ali por um único propósito sórdido: a possessão de alguém que está envolta em quimeras.

A musa de olhos cavos te conduziria até mim enquanto você acenaria para a pós-modernidade barata que nunca se poderia arrancar de ti. Mas que sacrifica por mim e as voltas enevoadas do meu mundo, no qual homens afundam-se nos lagos fundos de mulheres enfeitiçadas.
O mais maldito dos poetas batucaria seus versos espiralados em meus ossos quando a eternidade nos pertencesse. Eu me perco em insanidade todos os dias que não te acho dentro de mim, meu poeta.

Os dias que nunca virão queimam minha pele intocada pelo sol, como teus toques queimariam a alma que já se esvaiu dentro de mim.

Venha e alcance-me, meu poeta dos desamores. Venha e alcance sua mais deliciosa ilusão.

[POETA]

Do beat nos seus ossos faço um réquiem. Conhece a melodia? É canção dos fúnebres, dos decadentes, loucos, insanos e imorais! É a música das ruas, dos becos, dos grafites, cartazes, poesias e rimas! Do batuque dos seus ossos faço minha moradia – sinestesia, euforia: cacofonia.

Saio do mangue para entrar em você, por você e com você. Saio da vida não para ser seu príncipe ou bardo: entro na morte para ser seu poeta.
Nem me darei ao trabalho de ser também seu amor.
[PRINCESA]

Negamos-nos a aceitar os limites que o tempo nos impõe, como um deus impetuoso. Seremos pecadores, metidos em nós mesmos e não nos curvando aos mandares pretensiosos de algo tão superficial quanto um conjunto de eras.

Sinta-me despida de qualquer armadura. Arranque de mim todas as agonias da espera e quebre as barras do meu claustro.

Não desejo teu amor, amar é para as meretrizes!

Desejo ter-lhe de todas as formas, inexorável e imutável. Desejo que entregue tua alma a mim em um frasco encantado para que eu seja tudo o que queres nessa vida e na outra. Faça dos meus ossos tua morada que eu me refugiarei na tua poesia lastimável construída em cima da distopia cotidiana.


Seja meu e apenas meu, me envolvendo na fumaça dos teus cigarros enquanto eu cubro-te com as brumas da minha terra de fadas.


FIM

Nota: Texto em parceria com a Isadora, do http://putres-cente.tumblr.com/

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Naftalina

NAFTALINA



Não me deixe aqui na porta, querida. Você sabia que está frio? Abra a porta e me deixe entrar, eu nem me importo de ver seu novo namoradinho de cuecas. É seu chefe? É o carinha que mora na esquina que sempre te olhou com vontade de prová-la? Não, desculpa, não vou perguntar essas coisas – é indelicado. Está frio, sabia? Sabia que nessa porra de país resolveu voltar a ter inverno? Desses invernos rigorosos que as pessoas usam as roupas cheirando a naftalina, mofo e sabão em pó de segunda marca?  Não se incomode, mas vou acender um cigarro, só pra ver se esquenta... Aliás, você nunca gostou que eu fumasse, mas porra, o que eu ia fazer quando você começava a falar da vida das suas colegas de trabalho que reclamavam do pau mole dos maridos barrigudos? Não me interessava, nunca interessou. Comecei a fumar pela distração, hoje é vício. Hoje é mais vicioso que você em mim, acho. Ou não.

Você tá em casa? Custa abrir a porra da porta e me deixar entrar para que eu não sofra uma porra de uma hipotermia? Deixa de ser mesquinha, é inverno, to sem casaco, dignidade, vida e sonhos. Sem você. Olha que bonito, ainda sei fazer gradações, você sabe que quando eu tinha sonho de publicar meu livro de contos as metia em tudo quando é lugar. Mas não tive sucesso com os contos, mudei pras crônicas, todavia soaria falso com a vida de merda que levava – foder umas três vezes com você (uma por telefone); fazer um café só pelo clichê que todo escritor precisa gostar de café, vestir uma roupa pra arrumadeira entrar em casa, escrever duas páginas de um conto inacabado e não gostar de nada, ir ao cinema, foder mais uma vez e dormir. Uma vida de merda, naturalmente. Uma vida de escritor.

Não é o inverno sua estação favorita? Acho que é sim, desde que seu pai comprou a prestação uma passagem pra Bariloche pra você e sua melhor amiga passarem as férias de final de ano lá. Férias em Bariloche, que se foda, nunca liguei pra a Argentina mesmo, aliás, da Argentina só salvo a Evita – dá vontade de comer. Tenho queda por loiras metidas a aristocráticas, vai ver foi por isso que me apaixonei por você.

Ah, não pense que eu vou me matar por sua causa: não me daria ao trabalho. Já disse tudo que poderia dizer, pedi perdão, disse que mudaria, prometi até cortar os cabelos e a barba, mas parece que você prefere dormir sozinha nesse leito frio que é a sua cama. Eu poderia esquentar seus pés gelados a noite, sabe bem. Eu poderia encurralar seu corpo contra a parede com força, só de meias e sexo selvagem enquanto você nem liga se os vizinhos vão te ouvir gemer. Você nunca ligou pra isso. Na verdade deveria ligar, pois sua educação em colégio católico não permite esse tipo de escândalo. Aliás, o que sua finada mãe diria de mim mesmo? Um pedaço da escória da sociedade? Um escritor metido a rockstar falido e indecente? Um imoral comedor de menininhas em idade púbere e leitor assíduo de revistas de esquerda? E nem sei se posso negar nenhuma dessas indagações, afinal não foi dentro do seu colégio católico que nós transamos pela primeira vez? Você tinha mais que quinze naquela época? Não responda me sentiria chocado com o tempo que já se passou. Foram quantos anos de quase-casamento? Foram quantos anos me aturando e se aturando por me aturar mesmo? Foi antes ou depois de você começar a fotografar e se tornar essa artista admirada por hipsters pseudo-cults? Foi antes ou depois desse inverno me consumir? Há muito não sei responder.

Se for pra falar do passado vou dizer que sempre senti uma atração pelo seu rosto anguloso; nobre. A primeira vez que a vi saindo da escola não foram seus seios diminutos ou pernas longas cobertas por meias brancas que despertaram-me de imediato. Foi seu rosto de mulher em corpo de menina. Rosto de uma rainha trágica qualquer. Rosto de inverno: poderoso, marcante e impassível. Inefável, até. Naqueles poucos segundos que seu olhar cruzou com o meu tão desgranhado, percorreu um arrepio na minha espinha, igual a esses que percorrem agora, como se o mundo quisesse me ter congelado só para dominar-me. Como você me domina com a frieza em todos os seus detalhes – com todos esses seus invernos rindo-se de mim.

Mas vai abrir a porta ou não? Se não vai diz logo, por favor. O cigarro não ajuda muito contra o inverno, é como fazer uma fogueira na mais gélida das terras invernais – é ainda amá-la e saber que não é mais correspondido. Não funciona, por mais que a gente tente e queira e peça a um deus qualquer não há resposta, afinal essa coisa toda de fé pra mim sempre foi via de mão única. Peço e tenho o que como resposta? Sua porta trancada na noite mais fria desse inverno; sua porta que nega se abrir e me salvar do gelo das minhas próprias palavras ácidas – sua porta que permanece fechada e só me faz grão de neve nessa avalanche da sua falta de amor. Na minha falta de amor próprio.

Então me deixe aqui na porta, querida. No fim eu gosto do frio, já que tenho que sentir saudade, carência, tristeza, depressão, ciúmes e inveja sentir frio é o menor dos sentimentos. E não venha me falar que frio não é sentimento – você não entende deles. Frio é como um amor não mais correspondido: só é bom dentro de casa, sem a humilhação do rastejar por caminhos já percorridos. Frio é como perder-se no seu olhar, mesmo sabendo que por lá já habitou.

Frio maior é a porra do seu amor que se perdeu do meu.


Frio é ir embora tendo a certeza que sua porta nunca abrigará esse inverno em minh’alma outra vez.

FIM

Notas: Mais um para o Céu Literário, link do grupo no facebook (https://www.facebook.com/groups/452854318095161/).

sábado, 8 de junho de 2013

Visconde

Nota: Texto em parceria com a Érica Prado, ou seja, ele não é só meu, só está sendo postado aqui porque ainda não temos um blog fixo para esses textos, mas teremos. Ela é a Juliete e eu o Humbert, às vezes vice-versa. Enfim, quem curtir comenta.

Visconde






[HUMBERT]

Restou somente o sabugo, Juliete.

Fiquei assim jogado, desamparado por você que só sabe ir embora e me deixar no abandono na minha própria falta de serventia. Porque sou somente um sabugo, Juliete. Um Visconde sem valor e inteligência – sem nobreza, sem amor, sem céu: sem glória.

Restou-me, Juliete.

Restou o que você não quis abraçar com seus braços sufocantes. Desse nosso amor (amamos?) sobrou à espiga seca e putrefada, jogada em um beco qualquer, ao relento, ao tempo, sendo chutada pelos transeuntes que no fim fazem a mesma coisa que você: descartam. Pois há quem diga que o mundo é feio de movimento, eu digo que ele é feito de despedidas – abandonar a infância, a adolescência, os sonhos e a própria vida.

Mas dos meus lábios você não ouvirá nem o mais simples adeus – não sei deixá-la.

Meu adeus é também ficar.

[JULIETE]

Como eu poderia, Humbert? Como eu poderia não esgotá-lo até o sabugo? Ouça – é o vento que bate no teu reino, sacudindo teus milharais. Mas eles são seus? Acho que você é o Humbert errado. Acho... Ouça! – é de você que vem o vento que afaga meus cabelos. É de você! O vento que me afaga, que me refresca, que me esfria, que me arrepia. O que eu vou querer de um sabugo, Humbert? Mas ele é você? Acho que você é o Visconde errado.

Acho que está tudo errado, Humbert, está tudo errado com a gente, mas eu não sei dizer o quê! Não fui eu que nos esgotei, Humbert, acho que o espantalho não funcionou, o espantalho não espantou os corvos – eles nos devoraram, nos devoraram e diziam “nunca mais”. Eles estão errados ou nós não seremos nunca mais os mesmos de antes? Não seremos nunca mais as crianças que roubavam doces nos jantares de família e se escondiam na copa das árvores e liam O Pequeno Príncipe e treinavam ortografia com troncos de árvores e facas furtadas e que... e que... que mais Humbert? Que mais nos foi devorado?

[HUMBERT]

Nem liga Juliete.

Ignore o vento e a desesperança: só os corvos importam. Não os espanto; eu gosto quando eles devoram. Tenho-os como amigos, mesmo que eles machuquem mais do que você, mesmo que eles sejam somente tatuagens na minha pele que você não procura mais no cinza do nosso quarto cinza – na lama do nosso caos, do nosso desarrumado organizado pela nossa preferência e pelos dedos ágeis de Johnny.

É isso que dizem que é se sentir bela metade....? Ah, sinto-me assim desde que nasci, como se tivessem me arrancado algo para moldar você. Sou fruto, você é a semente. Floresca, Juliete! Cresça pelas gramíneas do meu milharal morto porque eu como espantalho sou mais inútil que escritor – um escritor que odeia palavras e um espantalho que sorri aos corvos.

Dê milho aos corvos ou pérolas aos porcos, não importa, o desperdício é o mesmo.

E o desperdício sou eu ainda tentar viver fora de você.

[JULIETE]

Não se preocupe, Humbert – eu não ligo. Há, por acaso, um belo mais belo que o belo do bico de um corvo a arrancar todas as suas palhas de espantalho? Deixe que o corvo lhe retalhe, ele puxa sua pele em câmera lenta, ele devora minhas entranhas em câmera rápida, ele na verdade somos nós, então por que usar a terceira pessoa? Poe quê? Oh, Humbert, consegue domar o meu sadismo? Devora-me. Pedacinho por pedacinho, devora-me e deixe só o sabugo. É só o sabugo que importa, é do sabugo que veio o Visconde, e é do sabugo que veio você, que é o Visconde errado e é o Humbert errado. E se fosse o certo eu nem lhe dirigiria o olhar. Mas eu dirijo, de soslaio, tão a troco de nada que nada que sigo minha vida e te deixo aí para ser devorado, porque meu espantalho não conseguiu te proteger.

Eu não vou dizer que não te salvo porque não posso. Eu não vou dizer que não te salvo porque não quero. Eu não sei por que não te salvo, mas eu não te salvo, Humbert.  

[HUMBERT]

Você se lembra de que existe algo seu que vive no meu limiar? Algo que me consome aos poucos me devora tal Caetano. Tal os corvos devoram meu corpo de espantalho que não sabe espantar. Scarecrow. O assustador de corvos é quem se assusta, na verdade. Não com o seu sadismo, não com a sua maneira de me deixar a mercê de meus próprios fantasmas – que no fundo são aqueles que viviam em você. Assusto-me com a crueldade em que permito mutilar-me. Marco-me para a eternidade com as chagas do Nosso Senhor Pecador de Nós Mesmos.

Sou santo em matar-me em nome do nosso amor que nunca existiu? Sou demônio por gostar de gostar sentir dor. Não. Vai. Passar. Dói, sempre vai doer. Porque os corvos no fundo não querem atacar o milharal – eles só querem o espantalho. Só querem rasgar a palha – e você sabe disso mais do que ninguém, Juliete.

Você também é corvo, assim como eu.

Junte-se assim nessa festa de autoflagelação e vamos esquecer que somos os sabugos largados ao chão, sem importância e utilidade. Já fomos milho, hoje não nos resta nem os bagaços. Já fomos nós, hoje somos somente você. Então dance comigo querida, dance enquanto seu mundo é caos, meu mundo é caos, mas o caos ainda é ordem! Dance nossa marcha funebre de quartos cinzas e batida constante enquanto o violão acompanha a voz rouca e a TV só está ligada para analisarmos a fotografia do nosso filme em preto-branco-e-eu-não-sei-dançar-com-você.

Nem o sabugo restou.

[JULIETE]

Corvos. Que importam os corvos? Que importamos nós? Eu sou um passarinho preto num jardim com florzinhas. Vamos ler a bíblia, Humbert? Talvez sejamos salvos – só assim.

Mas não quero deixar o sabugo. Deixar o sabugo é admitir que falhei. Porque o que quero de você está nas suas entranhas, está no fundo profundíssimo, daqueles que não se alcança sem antes retalhar cada pedaço do que o cobre, porque cada fragmento de tecido seria capaz de ocultar, então cada fragmento de tecido deve ser eliminado. Esse sabugo esgotado e exposto é você, Humbert? Ou sou eu? Não sei mais a diferença. Acho que cheguei (ou chegamos? Ou só você chegou) ao ponto em que nada fica muito distinto, como você não se distinguir de mim e não se distinguir de nós e não nos distinguirmos de corvos e não sabermos distinguir corvos de espantalhos. Quem devora? Quem é devorado? As vírgulas fugiram no primeiro bater de asas. A sanidade, a lógica, a cronologia, tudo, tudo. Nenhuma dimensão restou para contar estória (assim, com ‘e’, porque história com ‘h’ não interessa, história com ‘h’ nunca é verdade).

A verdade é a pior das mentiras, Humbert. E nosso amor é a pior das verdades.
[HUMBERT]

E nossas mentiras o mundo já engoliu.

FIM

Nota final: Oi pessoas, esse texto foi escrito para o Céu Literário, uma comunidade, blog e página no facebook que visa a divulgação e a interação entre novos autores. O tema desse mês é o milho, então já que estamos com milho, vamos com ele. Segue abaixo os links para texto e blog de outros autores que escreveram até agora esse mês.



Huirian Suzin, do Universo Auxiliar:
Ouro de Palha (http://universoauxiliar.blogspot.com.br/2013/05/ouro-de-palha.html) e Amor à Vinagrete (http://universoauxiliar.blogspot.com.br/2013/06/amor-vinagrete.html)



Amanda Botelho, do Um Singelo Mundo Irreal:
O apanhador (http://umsingelomundoirreal.blogspot.com.br/2013/06/o-apanhador.html)

Céu Literário:
Grupo: https://www.facebook.com/groups/452854318095161/
Página:https://www.facebook.com/CeuLiterario
Blog:  http://ceuliterario.blogspot.com.br/


quarta-feira, 1 de maio de 2013

Comunhão


O corpo que balança no ritmo do som e que vai-e-volta seguindo a batida frenética dos doces sonhos que são feitos disso e algo mais. Volta-e-vai, sobre o mundo. Sob si. Continua no ritmo frenético e a droga da língua na salvação da droga. E continua. Na cadência efemeramente eterna , paradoxalmente díspar porque ela não sabe nem ao menos o que está tocando – um remix qualquer? – mas os sonhos ainda são doces... Ainda são feitos? E balança os cabelos encharcados pelo suor que escorre de sua camisa preta cortada pela metade que era da sua irmã; ela nem ouve mais Kiss. E beija, e não dá a mínima, não pergunta nomes e normas, só ri enquanto usa e é usada pelo mundo. Vinte e dois centímetros mais perto do céu com os saltos altos demais. Não cai, por enquanto. Mas a queda ainda vem, no fim da noite, ela sabe, mas o que pode fazer? A droga da droga na salvação da língua.

Não ouve, não vê, não fala. Só sente. Sente-se no centro do Universo, na distopia que inventa enquanto navega pelos sete mares e mais! Quer abusar? Pois abuse da menina que ainda nem cresceu. Peter não é Pan, mas a espera em uma Terra do Nunca qualquer, oh, talvez o meio da pista seja a terra dos meninos perdidos que esfregam seus dedos pelo corpo serpenteante da menina que não é Wendy, mas também saberá crescer.

O corpo que balança no ritmo do som volta-e-vai não importando-se mais com a batida frenética dos doces sonhos. Pois os sonhos nem são mais feitos. Viva-se a relidade! Viva em comunhão perfeita entre o acaso deu ma noite qualquer e a temporalidade de ser somente mais uma a dançar enquanto o mundo finge que termina só para o sol nascer novamente entre o vão da cortina da janela do seu quarto.

E quem se importa com o resto?

O resto é silêncio.